No cativeiro da liberdade

By | 09.05.2021

Não foi dessa vez que o mundo acabou, mas é claro que coisas assim nos devem fazer refletir. Uns tempos atrás ouvi de um amigo uma frase que achei muito interessante: “A Terra é feita de uns 3000 protagonistas, os outros são meros coadjuvantes”. Não sei até que ponto um mundo que fala de profecias e não do real problema de aquecimento global, de novela e não de corrupção, de futebol e não de violência, de fofocas e não de educação… esteja no caminho certo.

Recentemente dois fatos em especial me fizeram refletir sobre os valores e objetivos que boa parte de nós busca durante a nossa breve existência. Moro na Suíça e país de primeiro mundo geralmente proporciona uma ótima qualidade de vida, pelo menos na parte material e de infraestrutura. Cresci em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, no meio da natureza, completamente livre. Agora tenho uma filha pequena, que mesmo tendo apenas pouco mais de um ano de idade, procuro (junto com minha esposa, claro) colocar ela em contato com a natureza. Aqui não é fácil, ainda mais no inverno. A maioria das pessoas passa os meses de frio trancadas em casa ou no trabalho. E em um desses passeios ao ar livre decidimos visitar um pequeno zoológico aqui na nossa cidade. Quando falo pequeno zoo, é bem pequeno mesmo. Praticamente um grande quintal (daqueles que existiam até alguns anos atrás, antes de virarem prédios e condomínios) de uma casa rústica.

Aqui na Suíça a natureza é vasta e preservada, mas poucas espécies de animais conseguem suportar o clima. Infelizmente é impossível encontrar leões, cangurus, aves exóticas, macacos e outros animais em liberdade, então um zoo é uma chance de colocar crianças e jovens em contato com animais (coisa não tão óbvia nos dias de hoje). Mas é também inevitável contestar o fato de um animal selvagem estar preso, sendo privado do seu habitat e de seus instintos. O que vi foram animais sem alma. Catatônicos.


Mas o que tem a ver um post assim em um blog de viagem? Respeito muito quem luta pela preservação e direitos dos animais, mas uso o tema como ponte para contar a segunda história. Alguém que está perdendo a alma, provando o desespero da depressão por estar preso na jaula do medo, do pânico. Um jovem amigo que tem um ótimo emprego (até mesmo para os padrões suíços), mora sozinho em um belo apartamento e tem – teoricamente – um padrão de vida invejável.

Filho de pai peruano imigrado e mãe suíça, ele foi ao Peru quando ainda era garoto, e foi só. Aos 13 anos, depois de uma operação no coração para corrigir um problema de arritmia cardíaca ele não conseguiu mais entrar em um avião, ou navio, é claustrofóbico e sofre de vertigem/medo de altura. Ele viaja muito à trabalho e também em férias, mas sempre de carro. Ele fez milhares de exames em todos tipos de especialistas, mas todos dizem que ele não tem nenhuma desfunção. E é exatamente esta suposta normalidade que o está transformando em um animal como os do zoológico descrito acima.

Quando conversamos pela última vez ele me revelou, com uma forte e evidente angústia, que trocaria tudo – dinheiro, carrão, trabalho e tudo mais – se pudesse ter de volta a saúde e a liberdade de rodar pelo mundo. Poderia trabalhar em uma barraca na beira da praia, vivendo com o mínimo necessário em troca de uma única coisa: ser livre. Liberdade é uma palavra tão incrível e sempre mais desvalorizada. E é triste pensar que existem milhares de pessoas como o meu amigo – reféns da saúde, presas em jaulas escuras e frias.

Sou apaixonado por viagens e pela imensidão do mundo, não consigo me imaginar trancado em um “cativeiro” esperando por comida e evitando os olhares de curiosos. Estou tentando ajudar esse amigo na medida do possível e espero um dia poder encarar alguma grande aventura ao lado dele! Mas só de conseguir vê-lo com o espírito livre já seria incrível. Não se feche, não se esconda, encare o mundo virtual e a tecnologia como algo que veio para somar, e não substituir. Afinal somos animais e temos instintos. Nascemos para sermos livres. Aproveite ao máximo, afinal o (teu) mundo cedo ou tarde realmente vai acabar.

Abraço e paz!

Michel P. Zylberberg
www.rodandopelomundo.com

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