Comecei a fotografar com filme 35mm (cromo). E pela dificuldade em digitalizá-los – ou por caretice da minha cabeça -, nunca fui muito adepto dos formatos que fugissem do tradicional 2 para 3. Vocês lembram que o filme 35mm tem 36x24mm? E, dividindo 36/24, temos essa relação de 2:3 (ou 1 por 1,5) certo? Lembram? É daí que vem os tamanhos proporcionais de 10×15, 20×30, 30×45, 40×60, 60×90 e por aí vai.
Sempre tive dificuldade em entender porque a maioria dos porta-retratos um pouco maiores são sempre 15×20, 20×25, 30×40, uma vez que esses tamanhos não seriam o que o meu cérebro considera como padrão. Nunca usei médios formatos 6×6. Nunca passou uma RolleiFlex quadradinha pelas minhas mãos. Se tivesse passado, meu bloqueio com o Instagram talvez fosse menor. Meu cérebro em relação a fotografia foi inicialmente moldado no formato 2 para 3.
Com o surgimento das câmeras digitais, veio a facilidade de recompor as imagens nos softwares (Photoshop e cia.) e também a captura de imagens panorâmicas de forma muito fácil. Aos poucos, fui abrindo um pouco mais a minha cabeça para “ver”, lá no campo, fotos fora da proporção que até então achava natural. Fotos quadradas e panorâmicas.
O Flickr com seus thumbnails quadrados, o Instagram levando para uma escala planetária a “popularização” da imagem 1 pra 1, os iPhones fazendo com um clique panorâmicas que seriam bem complexas, os softwares de manipulação com algoritmos cada vez mais inteligentes facilitando muito a vida de quem faz panorâmicas fundindo imagens, câmeras compactas que “filmam” fazendo fotos panorâmicas… e por aí vai. Tudo isso, na minha opinião, contribuiu bastante para a popularização dos formatos quadrados e panorâmicos.
Mas, se esse é o motivo de todo esse blablablá, ainda assim galera, não importa o formato, isso é fotografia! Algumas regrinhas básicas precisam ser respeitadas. “Regras? Respeito? Fotografia é arte! É transgressão! Não existe isso! É limitar! Não se limita a arte, blablablá”. Refiro-me especificamente à regras de composição, procurando harmonizar os elementos na imagem de forma que a mensagem que se queira passar seja recebida pelo espectador. Só isso. Não tem nada de engessar olhar de ninguém. E óbvio que tudo que está escrito aqui é tão somente a minha verdade – o que não me dá a prerrogativa de estar certo.
Falando das panorâmicas, tenho visto muitas que chamo carinhosamente (sim, fui irônico!) de tripas. Imagens sem nenhum fundo conceitual no que se refere a composição. Chapadas (sem início, meio e fim), sem pontos de interesse, sem mensagem, sem objetivo, sem nenhuma preocupação com a luz… Imagens que tentam se sustentar apenas pelo fato de serem panorâmicas. E, caramba, são fotografias! Eu tenho certeza que se Henry Cartier Bresson ou Ansel Adams pudessem fazer panorâmicas com essa facilidade toda atual, eles fariam. Mas sem dúvida as imagens teriam a mesma riqueza estética característica dos gênios que foram.
Veja os exemplos abaixo:

Pão de Açúcar ao amanhecer visto do Cristo, Rio de Janeiro
Neste amanhecer acima, reparem que a vegetação em primeiro plano, junto com a montanha logo a seguir e o Pão de Açúcar, traçam uma diagonal na imagem e forçam a perspectiva fazendo com que a imagem tenha início, meio e fim. E, consequentemente, “cria” uma tridimensionalidade na imagem. O horizonte colocado na linha superior dá um destaque maior à cidade (em oposição a um horizonte colocado no meio que não destacaria nada ou um horizonte baixo que destacaria o céu). O Pão de Açúcar, cereja do bolo nesta imagem, se destaca sendo colocado em um dos pontos áureos da imagem.
Repare que a mesma estética utilizada na foto anterior pode ser aplicada a esse entardecer abaixo. Montanha em primeiro plano conferindo tridimensionalidade à imagem (início, meio e fim), a linha da praia reforçando isto ao criar a perspectiva, o horizonte alto e o Cristo no ponto áureo.

Zona Sul ao entardecer, Rio de Janeiro (fusão de 4 imagens verticais)

Amanhecer em preto e branco visto do Sumaré, Rio de Janeiro (fusão de 4 imagens verticais)
Essa próxima imagem abaixo tem uma história por trás dela. E é justamente ela que me dá a certeza de que Ansel Adams estaria hoje abusando dos recursos que teria a mão. A lua era o diferencial. Eu estava ali naquele dia, naquela hora, entre outras coisas, sabendo que a lua daria o ar da graça e o amanhecer poderia ser perfeito. É difícil conseguir essa combinação de lua minguante no amanhecer de frente para o sol sem ela ser ofuscada pelo brilho do lusco-fusco. Só que, ao fazer a foto “padrão” ( foto 1 – aquela na proporção 2 para 3, lembra?) tive a sensação de que faltava algo. Sentia falta de um primeiro plano, sentia falta de cidade ali, sentia falta de mais personalidade na foto. Ao compor a foto para o que eu considerava ideal (foto 2), tinha uma belíssima imagem com tudo no lugar, mas sem a lua. E vejam agora como tudo se amarra e justifica neste artigo. Nesse momento eu utilizei um recurso técnico (fusão de imagens – costurar as imagens) para compor uma imagem quadrada e esteticamente aceitável que salvasse a minha composição. Veja que a imagem quadrada veio para ajudar a minha fotografia e não ao contrário. Não foi a minha fotografia que teve que ser “estuprada” para virar quadrada e “se adequar” ao Instagram. A imagem nasceu quadrada.

Foto 1: imagem “padrão 2:3” com a lua, mas faltando algo

Foto 2: imagem “padrão 2:3”, boa, mas sem a lua

Foto final: amanhecer na Enseada de Botafogo com lua (fusão de duas imagens horizontais – uma embaixo e outra em cima)

Pôr da Super Lua no Irmão Maior, Rio de Janeiro (imagem única cropada)
Costumo abordar bastante isso em sala de aula porque acho importante esse conceito estético, independente do formato da sua imagem. Passa por você saber o que quer transmitir com aquela imagem, em como transmitir, em como colocar/distribuir os elementos na cena de forma que essa mensagem seja passada de maneira mais harmônica visualmente falando. E todas essas respostas vêm antes de qualquer clique, antes de qualquer ajuste na câmera. Vem durante aqueles segundos (ou horas) em que seus olhos e cérebro estão caçando a imagem. Sem câmera. Quando a câmera é levada a frente do rosto, todas essas perguntas já foram resolvidas. Quando o botão é apertado, tudo tem que estar alinhado. Por isso eu acho tão importante entender de composição fotográfica e para isso não tem “modo automático” no dial da câmera. É uma coisa que o japonês que mora dentro da sua câmera não conseguirá resolver para você. Ter isso no sangue vem com estudo, vem com autocrítica (ser exigente com você mesmo, olhar o seu trabalho e ver que aquele elemento “tal” deveria estar mais para o lado) e vem observando muito trabalho de outros autores, exposição, pintura, filme… Ter essa noção de porquê cada coisa está ali, naquele ponto, daquele jeito. E também acho muito importante ter peito para dizer que não achou muito legal, que faria diferente e, principalmente, saber o motivo. Se você souber como e porquê faria diferente, está ótimo, mesmo que você não esteja certo. Com o tempo, a experiência molda isso.
Até a próxima!
Flavio Veloso
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