Depois de alguns problemas com o blog (resolvidos), aproveito para publicar um texto bem legal que encontrei em uma revista italiana e traduzi para vocês:
“Se encontro uma jovem francesinha e esta é por azar uma garota de bem, revejo súbito a casa dos meus pais e a educação das minhas irmãs: prevejo todos os seus gestos e as mais escondidas manchas de seus pensamentos. É por isso que amo as más companhias: tem mais imprevisto”.
Assim escrevia Stendhal, então turista na Itália, em 1817. Perto ou longe, o turismo é estado sempre ligado a procura da diversidade: deixam a casa, as normais companhias e o ritmo cotidiano para procurar aventureiro uma outra.
O invulgar, o imprevisto. Definir o que é exótico e o que não é problemático, desde que tudo é relativo. Não existe dúvida, por exemplo, que para o escritor Stendhal as garotas italianas fossem exóticas. Quando estamos viajando, a sensibilidade ao que parece como típico aumenta. Sabem bem os barmans da cidadezinha de Tequila, onde a bebida homônima é servida, agora exclusivamente aos turistas, com a larvinha da agave afogada no copo. Torna tão exótico, torna tão étnico. O exotismo é provavelmente uma tendência nata do espírito humano. Em cada época e lugar as publicações expressaram o fascínio de terras e costumes desconhecidos, aos quais é fácil atribuir extraordinários dotes de felicidade, de beleza, de sorte.
Na história da humanidade nunca se havia viajado tanto como nos últimos anos: por curiosidade, por moda ou necessidade. A mobilidade turística, esta deserção lúdica do mundo do trabalho, tornou-se o fenômeno antropológico contemporâneo mais relevante. A planetarização – ou a globalização, como é chamada normalmente – nos portou cirenes fascinantes mas também perigosas. Não é possível aproximar-se sem contaminar-se de qualquer forma. Mercadorias, idéias, doenças, informações, dinheiro e pessoas viajam pelas estradas do mercado-mundo, onde se cruzam fluxos de turistas e de imigrantes. Este pequeno mundo que nos permite de ter as bananas da América Central e os brinquedos para as nossas crianças de Taiwan, e que permite de ir da Suíça até uma vila turística africana em menos de vinte e quatro horas.
O exotismo é também uma terapia de fuga para o homem moderno, doente de complexidade. Olhar um “além” ou um passado melhor, aparentemente mais simples e cheio de bons velhos valores, nos ajuda a enfrentar a banalidade e as dificuldades da vida cotidiana. Nós precisamos. Precisamos tanto que aqueles valores tradicionais somos dispostos até a (re)inventá-los. Como no caso das receitas gastronômicas medievais, repropostas nos festivais locais.
Dissipada a obsessão pelo atol das Ilhas Maldivas, se faz sempre mais turismo doméstico. Um turismo atento à nossa história e aberto às influências planetárias. Assim como agora se é aberta aos novos costumes e as novas modas a vida dos jovens, que misturam tatuagens polinésias, hena marroquina, boinas peruanas, colares indianos e piercings africanos. Enquanto na discoteca a world music enlouquece, não existe feira popular que não proponha bancas étnicas, com imprudentes contaminações de sabores tipo sushi e feijoada brasileira. O binômio saber-sabor já tornou-se um clichê.
As misturas na garganta são a regola. As mastigações solidárias, quase um must. Se antigamente o exotismo alimentar dos governantes medievais, que ostentavam sobre a mesa rafinados menus estrangeiros, refletia a vontade de superar as dimensões da cozinha local, hoje os sabores “além” (assim como as férias a Sharm el Sheik) são tornados objeto de um verdadeiro e próprio exotismo popular. Assim vai e assim muda o mundo, até aquele pequeno e antigo. Nenhum problema, somos feitos para nos transformar, esperando com um pouco de sensibilização e de auto-ironia.
Tradução: Michel Passos Zylberberg (www.rodandopelomundo.com)
Texto original em italiano: Duccio Canestrini (antropólogo)